Johnny vive em uma pequena cidade na República Dominicana onde ele, assim como outros meninos, é conhecido como "guevedoce" -- ou "pênis aos doze".
Como outros guevedoces, Johnny foi criado como menina porque, em vez de ter testículos ou pênis visíveis, tinha o que parecia ser uma vagina. Apenas quando ele chegou à puberdade seu pênis se desenvolveu e os testículos desceram.
Johnny, que era conhecido como Felicita, lembra de ir à escola com um pequeno vestido vermelho, apesar de dizer que nunca foi feliz fazendo coisas de menina.
"Nunca gostei de me vestir de menina e quando me davam brinquedos de menina eu nem brincava. Quando via um grupo de meninos, ia jogar bola com eles."
Quando ele se tornou claramente uma pessoa do sexo masculino, passaram a implicar com ele na escola.
"Eles diziam que eu era o diabo, coisas ruins, palavrões, e eu não tive escolha a não ser brigar com eles, porque eles estavam passando da linha."
De Carla a Carlos
Já Carla, aos sete anos, está prestes a se tornar Carlos. A mãe dele antecipou a mudança.
"Quando ela fez cinco anos percebi que, sempre que via um de seus amigos homens, queria brigar com eles. Os músculos e o peitoral dela começaram a crescer. Dava para ver que ela seria menino. Eu a amo, não importa quem seja. Menina ou menino, não faz diferença", diz a mãe.
Mas por que isso acontece?
Uma das primeiras pessoas a estudar esta condição incomum foi Julianne Imperato-McGinley, do Cornell Medical College, em Nova York.
Nos anos 1970, ela partiu para esta parte longínqua da República Dominicana, levada por relatos extraordinários de meninas que estavam virando meninos.
Quando ela fez cinco anos (...) os músculos começaram a crescer. Dava para ver que ela seria menino. Eu a amo, não importa quem seja. Menina ou menino, não faz diferença.
Mãe de Carlos (antes Carla)
Ao chegar, ela descobriu que os boatos eram verdadeiros. Fez diversas pesquisas com os guevedoces (inclusive biópsias provavelmente dolorosas nos testículos deles) antes de descobrir a causa do mistério.
Quando uma pessoa é concebida, ela normalmente tem um par de cromossomos X se for virar uma menina e um par de cromossomos XY se for ser homem.
Nas primeiras semanas da vida uterina ela não é nem homem nem mulher, embora em ambos os sexos os mamilos comecem a crescer.
Então, cerca de oito semanas após a concepção, os hormônios sexuais aparecem. Se você é geneticamente homem, o cromossomo Y instrui suas gônadas a virar testículos e envia testosterona para uma estrutura chamada tubérculo, onde ela é convertida em um hormônio mais potente chamado dihidrotestosterona. Este hormônio transforma o tubérculo em um pênis.
Se você é mulher e não produz dihidrotestosterona, o tubérculo vira o clitóris.
Quando Imperato-McGinley pesquisou os guevedoces, descobriu que o fato de não terem genitália masculina ao nascer se deve à deficiência de uma enzima chamada 5-alfarredutase, que normalmente converte a testosterona em dihidrotestosterona.
Esse problema parece estar ligado a uma deficiência genética comum em parte da República Dominicana, mas rara em outros locais. Então os meninos, apesar de terem cromossomos XY, parecem mulheres quando nascem.
Na puberdade, como outros meninos, eles recebem uma segunda onda de testosterona. Desta vez o corpo responde e nascem músculos, testículos e pênis.
As pesquisas de Imperato-McGinley mostraram que, na maioria dos casos, os novos órgãos masculinos funcionam bem e a maioria dos guevedoces passa a viver como homem. Alguns, no entanto, passam por cirurgia e continuam sendo mulheres.
Medicina
Outra descoberta de Imperato-McGinley, que pode ter profundas implicações para muitos homens ao redor do mundo, foi que os guevedoces tendem a ter próstatas pequenas.
Essa observação, feita em 1974, foi aproveitada por Roy Vagelos, chefe de pesquisa da gigante farmacêutica Merck. Ele deu início a uma pesquisa que levou ao desenvolvimento do que virou um medicamente campeão de vendas, finasterida, que bloqueia a ação da 5-alfarredutase, imitando a falta de dihidrotestosterona nos guevedoces.
A finasterida é prescrita com frequência como um modo eficaz de tratar hiperplasia prostática benigna, o aumento da próstata, um problema enfrentado por muitos homens à medida que envelhecem. Também é usada para tratar calvície masculina.
Uma última observação que Imperato-McGinley fez foi que esses meninos, apesar de serem criados como meninas, em sua maioria demonstraram preferências sexuais heterossexuais. Em seu artigo, ela concluiu que os hormônios no útero têm um papel mais decisivo sobre a orientação sexual do que o tipo de criação recebido.
Esse ainda é um tópico controverso. Entre os guevedoces que encontrei, a orientação não se mostra muito definida.
Johnny teve vários casos com meninas desde que desenvolveu genitália masculina, mas ainda está procurando amor. "Queria casar e ter filhos, com uma parceira que ficasse comigo em tempos bons e ruins", diz ele.
Outro guevedoce, Mati, decidiu desde nova que, apesar de parecer menino, era menina.
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