Uma pesquisa do Conselho
Federal de Medicina (CFM) com médicos neurologistas e neurocirurgiões de todo o
Brasil indica que 76% dos hospitais públicos onde eles trabalham não apresentam
condições adequadas para atender casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Apenas 3% dos serviços avaliados pelos médicos têm estrutura classificada como
muito adequada e 21% como adequada, de acordo com estudo divulgado hoje (31).
O CFM ouviu 501 médicos
que trabalham em serviços de urgência e emergência de unidades de saúde pública
de todo o país. Eles responderam a um questionário sobre a situação do
atendimento a pacientes com AVC, considerando critérios como o acesso exames de
imagem em até 15 minutos, disponibilidade de leitos e medicamentos específicos,
triagem dos pacientes identificados com AVC de forma imediata, capacidade
numérica e técnica da equipe médica especializada e qualidade das instalações
disponíveis, entre outros pontos baseados em parâmetros internacionais e nacionais
de atendimento ao AVC.
A percepção da maior parte
dos médicos entrevistados aponta que as unidades públicas de saúde nem sempre
estão preparadas para receber de forma adequada um paciente com sintomas do
AVC, apesar de ser uma doença grave que está entre as principais causas de
morte em todo o mundo.
“Nós fomos atrás dessa
percepção em virtude do Acidente Vascular Cerebral ser a segunda principal
causa de morte no Brasil, um dado epidemiológico. E é a principal causa de
incapacidade no mundo e no Brasil, gerando inúmeras internações”, disse
Hideraldo Cabeça, neurologista responsável pela pesquisa e coordenador da
Câmara Técnica de Neurologia e Neurocirurgia do CFM.
Infraestrutura
de atendimento é inadequada
Segundo a pesquisa, a
infraestrutura de atendimento a casos de AVC é inadequada em 37% dos serviços e
pouco adequada em 39%, totalizando 76% de serviços que não se enquadram
totalmente nos protocolos de atenção ao AVC estabelecidos pelo Ministério da
Saúde.
Entre os itens essenciais
que não estão disponíveis em mais da metade das unidades de saúde figura a
tomografia em até 15 minutos e o acesso ao medicamento trombolítico, usado para
dissolver o sangue coagulado nas veias do cérebro. “Você não ter o uso do
trombolítico em 100% dos serviços é um problema sério. Se o mesmo indivíduo chegar
em locais diferentes, em um ponto ele vai ter atendimento próximo daquele que é
recomendado e em outro local não. E se tem o trombolítico, tem local para
fazer? Ele vai fazer na maca ou de forma respeitosa em um leito apropriado?”,
questionou o neurologista.
A pesquisa aponta ainda
que em 66,4% das unidades não havia apoio adequado do Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (Samu). E em 87,9% dos hospitais não havia número suficiente
de leitos para a demanda de AVC. “Nosso objetivo é atender
rápido e trazer menos prejuízos. Quanto menor o tempo de atendimento, maior a
chance de menor sequela. Se você atende em um curto tempo, você aumenta a
chance de benefício e recuperação desse indivíduo e seu retorno à sociedade” afirmou
Hideraldo.
Mortes
e sequelas
Conhecido popularmente
como derrame ou trombose, o AVC ocupa o segundo lugar no ranking de
enfermidades que mais causam óbitos no Brasil, atrás apenas das doenças
cardiovasculares. Segundo o Ministério da Saúde, em 2014, último ano em que há
dados disponíveis, morreram no país mais de 99 mil pessoas. Os estados da região Norte
são os que apresentam a maior incidência da mortalidade por AVC no país. Só no
Amapá, de 2008 a 2014 houve aumento de 89,7% no número de mortes por AVC.
No ano passado, quase 177
mil pessoas foram internadas para tratamento de AVC no Sistema Único de Saúde
(SUS) em todo o país. Quase 30 mil pacientes tiveram alta da internação por
óbito. Se a tendência registrada até 2014 permanecer, a mortalidade poderá
atingir novamente este ano o equivalente a mais da metade dos pacientes que
passaram pelo SUS.
O AVC também é a primeira
causa de incapacidade funcional no país e no mundo, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS). O paciente atingido pelo AVC pode ficar com sequelas
como dificuldade para se locomover, falar, sofrer paralisia em um dos lados do
corpo e perda de algumas funções neurológicas, entre outras.
Existem dois tipos de AVC,
o hemorrágico, em que ocorre rompimento de artérias e sangramento no cérebro e
o isquêmico, tipo mais frequente que representa 80% dos casos e é caracterizado
pelo entupimento das artérias por um coágulo. De acordo com os especialistas, a diferenciação imediata pelo médico entre um tipo e outro de
AVC é determinante no sucesso do tratamento e na reversão de possíveis
sequelas. A identificação na maioria das vezes é possível por meio do exame de
tomografia ou pela ressonância magnética, dependendo do caso.
Capacitação
A disponibilidade de
recursos humanos também foi considerada como inadequada (28%) ou pouco adequada
(44%) em 72% dos hospitais onde atuam os especialistas que foram alvo da
pesquisa. Os médicos entrevistados relataram que, em 69,6% dos serviços, não há
equipes médicas em quantidade suficiente para atender os pacientes e que, em
quase 50% dos serviços, não há oferta de treinamento para a equipe médica e
multidisciplinar.
“É fundamental que
neurologistas sejam capacitados para atender AVC. Existem no Brasil de 6 a 8
programas de especialização do neurologista em AVC, mas isso ainda é pouco
diante do desafio que a doença requer. Outro ponto é a carência de recursos
para pesquisa científica em AVC. A gente precisa testar os remédios que estão
disponíveis no país, que são diferentes muitas vezes dos remédios usados lá
fora. E precisa de pesquisas mais voltadas para a realidade nacional”, explica
Octávio Marques Pontes Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças
Cerebrovasculares (SBDCV).
Entre os poucos serviços
que foram avaliados na pesquisa do CFM como muito adequados no país, está o do
Hospital das Clínicas (HC), da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, em Ribeirão Preto (SP). A capacitação dos profissionais e o tratamento
do AVC como prioridade estão entre os motivos para a região atendida pelo
hospital ter índices mais baixos de morte pela doença.
“A Organização Mundial da
Saúde recomenda que - da porta do hospital até o início do tratamento
trombolítico - o atendimento seja feito em no máximo 60 minutos. A gente
conseguiu aqui no HC baixar esse tempo médio pra 29 minutos. É um hospital
público, com todas as dificuldades, tem leito no corredor, mas a gente
estruturou o atendimento, organizou e treinou todo mundo”, explicou Marques,
que também é professor e chefe do Departamento de Neurologia Vascular do HC.
A cidade ainda conta com
uma rede de atenção à urgência e regulação médica estruturada desde 2000, o que
garante a rapidez do atendimento. “O paciente de AVC não pode ir de carro para
o hospital, ele tem que ser orientado a ligar para o 192, porque o Samu já sabe
qual o hospital naquela região que atende AVC e pode pré notificar o hospital”,
explica Marques.
O hospital supera também
os índices de oferta do medicamento trombolítico. Enquanto no Brasil estima-se
que de 1,5% a 2% dos pacientes com AVC recebem o medicamento, na regional
atendida pelo HC de Ribeirão Preto, em torno de 6 a 8% dos pacientes têm acesso
ao tratamento.
Linha
de cuidado
Em 2012, o Ministério da
Saúde instituiu a Linha do Cuidado do AVC para a Rede de Atenção às Urgências e Emergências.
Por meio da portaria 665, foi criado um manual de rotinas com orientações e critérios
de atendimento ao AVC. Desde o lançamento da
linha de cuidado, o Ministério da Saúde credenciou 51 unidades no país como
habilitadas para atender casos de AVC. Contudo, o presidente da SBDC alerta que
seriam necessários pelo menos 200 unidades credenciadas em todo o território
brasileiro por conta da dimensão do
país.
“A estimativa da
Organização Mundial de Combate ao AVC (World Stroke Organization) é de que,
para cada 100 mil habitantes, precisaria de pelo menos 5 mil leitos. A unidade
AVC é a principal intervenção na redução de mortalidade e incapacidade por
AVC”, explicou o médico.
Prevenção
O Conselho Federal de
Medicina vai compartilhar os resultados da pesquisa com os conselhos regionais,
que encaminharão o documento às secretarias de saúde estaduais e municipais. O
objetivo é alertar os gestores locais para que melhorem a estrutura de
atendimento a fim de reduzir o número epidêmico de óbitos e pessoas
incapacitadas.
“AVC tem tratamento, mas é
uma emergência médica, o tratamento é extremamente efetivo, mas se for dado nas
primeiras horas. Depois de 24 horas não tem mais o que fazer, na verdade é
tratar a sequela e evitar complicação”, afirma Marques. Além de recomendar a
melhora na gestão do serviço de emergência e a ampliação das unidades
credenciadas, com a incorporação de novas tecnologias, os especialistas
ressaltam que a conduta dos pacientes também tem impacto na prevenção dos casos
de AVC.
Os médicos alertam que é
necessário fazer controle periódico de fatores de risco como a hipertensão, o
diabetes, o tabagismo, obesidade, colesterol alto e o sedentarismo. Segundo os
neurologistas, entre 80 e 90% dos casos de internação e até de morte por AVC
podem ser evitados se houver melhoria na estrutura do atendimento e se o
paciente adotar hábitos saudáveis. Eles lembram ainda que, apesar de ser mais
recorrente entre os idosos, a doença pode atingir pessoas em qualquer idade,
até recém-nascido.
Resposta
Em nota, o Ministério da
Saúde disse que “está trabalhando para enfrentar os desafios de infraestrutura
em todo o país”. A pasta afirmou que “tem trabalhado para reforçar a atenção
básica, nível de assistência imprescindível para atender pacientes que sofreram
AVC”.
Segundo o ministério, na
atual gestão foram destinadas 1.500 ambulâncias do Samu para os estados e
municípios e foram liberados R$ 250 milhões para mutirão de cirurgia e compra
de medicamentos. Há ainda investimento de R$ 2,2 bilhões para mais de 7,1 mil obras
que estão em andamento no país e de R$ 18 bilhões em equipamentos. Por fim, o Ministério da
Saúde informou ainda que, entre janeiro e julho deste ano, foram registrados
58.523 internações por AVC. A última atualização do índice de mortalidade pela
doença indica 100.520 óbitos em 2015.
Fonte: Agência Brasil
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