sábado, 26 de março de 2016

Para historiador, corrupção é regra na relação entre governos e empreiteiras


"Para sobreviver nesse campo, já fiz. Agora se você me perguntar quando e com quem, eu não vou dizer nunca", disse o empresário Emilio Odebrecht em entrevista à "Folha de S.Paulo", em 1994, admitindo que já havia cometido irregularidades, como pagar propinas, durante a trajetória da empreiteira.

Naquela época, empresa era investigada por pagar propinas a políticos e participar no esquema de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor e um dos personagens centrais do escândalo de corrupção que derrubou o ex-presidente. Emilio – pai de Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato – negou essas acusações específicas na entrevista, mas reconheceu atos ilícitos em outros momentos da trajetória da empresa.

Nesta quarta-feira, documentos apreendidos pela Polícia Federal na Operação Lava Jato listaram possíveis repasses da Odebrecht a mais de 200 políticos de 24 partidos políticos. De acordo com as investigações, a Odebrechet possuía um departamento dedicado exclusivamente ao pagamento de propinas.

Na terça, a empresa anunciou em nota que optou por colaborar definitivamente com a Lava Jato - ainda não foi confirmado se executivos e funcionários farão acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal - e citou que as investigações revelam "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".

"Não me surpreende a existência desse departamento de propinas", diz o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do livro "Estranhas Catedrais - As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-militar", que aborda a ligação das empresas de construção com o regime. Estudioso da trajetória das empreiteiras, Campos afirma que a Odebrechet "atuou permanentemente assim, desde a época da ditadura".
"Elas [empresas] vivem contando essa ladainha, de que precisou pagar propina para conseguir o pagamento da obra. Eles não são vítimas desse processo. São os sujeitos ativos
"A Odebrecht consegue a obra, acerta o pagamento de propina e a doação para campanha eleitoral e recebe o pagamento pela obra. Como é difícil receber o pagamento em dia, a empresa usa esses mecanismos para conseguir. E nesse processo, muitas vezes a qualidade e a duração das obras vão para o espaço. As obras ficam reféns desse cabo de força entre empreiteiras e governantes", diz o historiador.

"Não só a Odebrecht, que fique claro. Esse é o padrão das empreiteiras. Essa relação corrupta com o o Estado não é exceção, é regra", afirma Campos, que rechaça o discurso de que as empreiteiras são vítimas da corrupção dos governantes. "Elas [empresas] vivem contando essa ladainha, de que precisou pagar propina para conseguir o pagamento da obra", critica. "Eles não são vítimas desse processo. São os sujeitos ativos."
Além do pagamento de propinas e das doações, as empresas atuam muito com intermediários nas estatais, segundo o escritor, para manter seus contatos com os políticos. "A Lava Jato mostra isso, com funcionários e diretores envolvidos nas operações."

"Mas não adianta apenas prender o Odebrecht e punir os políticos. É preciso ver onde estão esses buracos institucionais e investir para tapá-los. Como fazer com os mecanismos que nutrem esse processo, como o financiamento eleitoral, a forma de preenchimento de cargos em estatal, as leis de licitação? Não adianta trazer uma empresa da China para fazer obras se esses mecanismos não forem alterados."

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