“A dívida é a mãe prolífica de loucuras e crimes”
Benjamin Disraeli
(EcoDebate) Nos meses de agosto a outubro de 2014 o eleitorado brasileiro viu nos horários da propaganda eleitoral gratuita (isto é, paga com o dinheiro do contribuinte) um Brasil irreal, fantasioso e espetaculoso. A propaganda eleitoral da candidata à reeleição mostrou uma realidade de conto de fadas. Foram feitas inúmeras promessas, tais como a redução da pobreza, a melhora da educação e da saúde, a defesa do meio ambiente, o respeito aos direitos trabalhistas, a não subida da taxa de juros, o controle da inflação, a geração de empregos, casa, cama e comida para todos, o equilíbrio das contas públicas, o combate ao arrocho salarial e fiscal, etc, etc, e etc.
Mas tão logo foi divulgado o resultado das urnas, começou-se a gestar um “cavalo-de-pau” na economia. O ex-ministro Guido Mantega e sua nova matriz macroeconômica foram demitidos, mas se mantiveram, figurativamente, no cargo até o final do ano. Nunca um ministro da economia foi tão humilhado.
O ano de 2015 começou sob o signo do ajuste fiscal. O ministro Joaquim Levy, no primeiro trimestre, propôs uma meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem contar juros) de 1,2% do PIB, o equivalente a uma economia de R$ 66,3 bilhões para o setor público em 2015, e de pelo menos 2% para 2016 e 2017.
Bem entendido, o déficit nominal do Brasil está em torno de 7% do PIB, um superávit primário de 2% paga somente uma pequena parte do rombo dos juros. Ou seja, mesmo com o pleno ajuste fiscal proposto pelo novo Ministro da Fazenda (realmente o Brasil é uma grande fazenda, que, com o processo de desindustrialização, vive da roça e da mina) a dívida interna brasileira continua aumentando.
Somente nos governos de Dilma Rousseff (que atualmente está apenas no início do segundo mandato) a dívida subiu estonteantes 12% do PIB. É um crescimento explosivo e que aponta para o colapso das contas públicas. Se a coisa já estava ruim no primeiro mandato, piorou muito mais no segundo. Diversas contas foram adiadas de 2014 (ano eleitoral) para 2015. Só que a arrecadação caiu no ritmo do aprofundamento da recessão. O Brasil entrou num círculo vicioso, pois o governo corta gastos para evitar a explosão da dívida, mas estes gastos aprofundam a recessão, o desemprego e o endividamento das famílias e das empresas, o que diminui a receita do governo. Cortes de gastos implicam em menor receita e, recursivamente, menor receita exige maiores cortes de gastos. A situação parece a de um cachorro louco rodopiando atrás do próprio rabo.
Para agravar a situação, o Congresso Nacional tem feito pouco para ajudar no ajuste e muito para aumentar novos gastos. Em julho, o Legislativo discute o projeto de lei que propõe a redução da meta fiscal de R$ 66,3 bilhões ou 1,19% (percentual ajustado) do PIB para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB. O texto ainda tem uma cláusula prevendo que, caso algumas receitas não se confirmem, o governo poderá fazer um abatimento de R$ 26,4 bilhões no resultado primário. Na prática, isso permite ao governo terminar o ano com um déficit primário de R$ 17,7 bilhões nas contas públicas.
Ou seja, em vez de superávit, pode haver novo rombo e aumento ainda maior da dívida interna. O mais impressionante é que o déficit primário ocorre mesmo com aumento dos impostos. A carga tributária brasileira passou de 25% para 35% do PIB, entre 1991 e 2014, enquanto os concorrentes brasileiros possuem taxas atuais abaixo de 30%. Os impostos crescem, os gastos públicos crescem, mas a qualidade dos serviços públicos decresce.
Diante do inevitável e do caos orçamentário, Joaquim Levy cedeu e as mudanças de metas não ficaram restristas apenas em 2015. O governo também sugere que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) seja modificada para reduzir a meta fiscal dos anos de 2016 (de 2% para 0,7%) e de 2017 (de 2% para 1,3%). Isto significa mais dívida. Significa também que o governo e o Congresso estão empurrando o problema com a barriga. As lideranças do Executivo e do Legislativo jogaram a toalha e fizeram o ajuste do ajuste fiscal, isto é, já aceitam a hipótese de um défict primário. Isto também quer dizer que o ajuste que seria curto, vai se prolongar no tempo jogando o Brasil na “estagnação secular”.
A Dívida Pública Federal (DPF) somava, em março de 2015, o valor de 2,44 trilhões de reais e pode chegar a 2,6 trilhões de reais até o final do ano. Cada brasileiro deve atualmente 12 mil reais. Se fosse pagar em um ano ou R$ 1.000,00 ao mês, seria mais do que um salário-mínimo mensal. As futuras gerações vão ter uma dívida ainda maior pela frente. Cada bebê nascido em terras tupiniquins já nasce endividado e terá como perspectiva muito trabalho para pagar as dívidas acumuladas e ainda cuidar do crescente número de aposentados e idosos que terão suas condições de vida pioradas.
O prestígio dos políticos brasileiros está abaixo do volume morto. Com os presidentes das principais empreiteiras brasileiras na cadeia, a CPI do BNDES e a suspeita de corrupção generalizada, o país entrou em recessão acelerada. Como consequência da desordem econômica e política, o dólar disparou e vai aumentar ainda mais quando todas as agências de classificação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Dólar em alta significa inflação em alta, embora o desemprego esteja cada vez mais elevado (destruindo até a clássica relação da “curva de Phillips”). É estagflação como nunca se viu na história desse país.
O quadro é desalentador, pois além da estagflação e as taxas de juros estão subindo (a Selic deve passar de 14% ao ano). Com superávit primário zero e considerando uma taxa de juro real de 5% aa, a dívida de 65,5% passaria para mais de 68% do PIB no final do ano. Mas com recessão, com redução das receitas e aumento dos gastos provocados pelo Congresso, a dívida pode, em breve, atingir 70% do PIB. É um limiar perigoso, especialmente porque o custo da rolagem da dívida brasileira é bem maior do que o da dívida grega.
A consultoria Empiricus projeta uma queda de 2,5% para o PIB este ano, de -0,5% em 2016 e de zero, em 2017. Já para a inflação, é esperado 9,5% este ano e 5,5% em 2016. No caso da evolução da dívida bruta sobre o PIB, a Empiricus aposta em 72% em 2018, contra 66% na perspectiva do governo. Três anos seguidos de queda da renda per capita é um fato raro na história da República. Até a fama de ministro sério, competente e responsável do Joaquim Levy já está indo por água abaixo.
O desastre econômico também é um desastre social. Lulinha, ou o menino Christiano Pereira Tavares, que se transformou em símbolo do PAC, programa que tinha uma “mãe” chamada Dilma Rousseff, morreu aos 15 anos sob suspeita de overdose em uma unidade de saúde. A região de Manguinhos, RJ, segue pobre, e a piscina prometida ao garoto, abandonada. O quadro de desagregação e pobreza segue inalterado. Não morreu apenas Lulinha. Morreu a ilusão do “país de classe média” e da 4ª potência mundial, como gostava de se gabar o ministro Guido Mantega. O Brasil submergente vai enfrentar uma realidade dolorosa. Como tem sido dito, parece que o Brasil virou um “filme de terror” com sua crise autoinfligida.
Com a estagnação da produtividade, a queda da população ocupada e a regressão da estrutura produtiva, o Brasil não vai seguir o lema da bandeira nacional: “Ordem e Progresso”. O mais provável é que siga o lema inverso: “Desordem e Regresso”. Um país insolvente é um país sem soberania e sem capacidade de guiar seu futuro. Para agravar a situação, a dívida externa também está crescendo e saindo do controle. O governo que vendeu uma ilusão nas eleições de 2014 está deixando como herança uma economia quebrada, um orçamento falido, dívidas em trajetória explosiva e o povo brasileiro assistindo bestificado tamanhas improbidades.
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